Staniando: Caminhando pela vida

13h14m 27/05/2022 - Staniando


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Por Profa. Dra. Stânia Nágila Vasconcelos Carneiro.

Acordo cedinho todos os dias, inclusive aos sábados. Invariavelmente, às 5h30 inicio minha caminhada. Com exceção dos domingos, que tem cheiro de aconchego, é folga das obrigações, é pausa para juntar os corações, dar uma respirada da correria diária. Ah! É dia de saborear lentamente um cafezinho ouvindo Roberto Carlos e jogando conversa fora.

Mas voltando às caminhadas, alguns preferem caminhar na esteira, outros em ruas horizontais, asfaltadas, onde possam direcionar o olhar para o final delas. Eu prefiro as menores, de calçamento, que possuem mais cor, mais cheiro, mais sonhos e… imaginação, por isso prefiro as com menos movimento de carros e mais barulho de casa cheia de gente, ainda dormindo ou mesmo sonhando. Estas, a meu ver, possuem mais vida!

Minha caminhada diária me faz um bem danado. Monótona???? Você não imagina o que vivencio nelas!

Cenários. Calçadas. Faixadas. Muros. Jardins. Árvores. Portões, portas e janelas. Pedras. Grades. Ruídos e sons. Cheiros e cores. Cachorros, gatos, pássaros e borboletas trazem mais colorido ao cenário da caminhada.

As calçadas por onde caminho não oferecem conforto e, penso, retratam um pouco de seus moradores: algumas são altas, ou ainda baixas e/ou quebradas, outras bem cuidadas ou, mesmo ainda, inexistentes, e, por aí, elas seguem e eu sigo…

Inicio admirando o que não vejo e ouço durante a correria do dia: as pedras e os pardais. Estes últimos, ambientados em nosso espaço urbano, fazem a festa ao amanhecer e como só andam em bandos e são numerosos em nossa cidade, é possível reconhecê-los pela quantidade de barulho que fazem; Já as pedras me deslumbram com sua beleza ao final daquele cinza de algumas ruas: primeiro vejo um tapete de variados tons de verde que se escurece em seu topo, e no meio deles aquelas pintinhas brancas que se movimentam lentamente, são as  garças – brancas – pequenas que, ao longe, imitam os poás em um tecido esverdeado. É um encanto! Muitas vezes estão envoltas por aquele anel perfeito de névoa branquinha ao seu redor. Meus olhos nem acreditam em tanta beleza, ainda mais quando tal visão é acompanhada pelo canto do bem – te – vi, que sempre está lá no mesmo “bat” horário e “bat” lugar. Temos um encontro diário, quando juntos admiramos e agradecemos pela oportunidade de poder presenciar o espetáculo daquela beleza natural e divina!

 Adiante, ao me aproximar de uma área verde, minha tranquilidade é quebrada com o alerta de perigo dos Quero-queros, ou quem-quem, ou mesmo, tetéu, que detectam minha presença pertinho de seu ninho feito no chão entre as folhagens.  O grito estridente dessa ave significa perigo. E eu sou o perigo. Sinal dado, o alarde é geral. A medida que a intrusa aqui vai se aproximando, o alvoroço só aumenta e os voos baixos e a abertura das asas deixam-me apreciá-los melhor: as pernas são vermelhas, possuem um desenho chamativo de preto, branco e cinzento na plumagem. Hora de apressar o passo, afinal eu sou a agressora e eles estão sinalizando que não devo me aproximar mais de seu ninho. Obediente prossigo.

Uma vez ou outra, quando avisto ao longe algum cachorro, quero voltar, mas lembro da mamãe e de seus ensinamentos infantis: “ Ao passar por eles, feche as mãos e diga amansa leão, amansa leão!!!”. Acreditem, faço isso e prossigo, sentindo-me poderosa.

Zum…zum…zum…Ao passar por algumas casas, escuto o barulho do ventilador; em outras, o tilintar das panelas ou mesmo o som do rádio avisa que o dia já teve início por ali. Fora isso, o silencio que impera é encantador e só é quebrado pelo primeiro personagem de minhas manhãs: “Bom dia! ”, diz o “homem da bicicleta”, que passa todos os dias empurrando sua velha bicicleta. Na garupa, um caixote de madeira coberto por um plástico preto aguça minha curiosidade. Ele vem escutando a oração matinal de uma das rádios locais. Para onde irá e o que traz naquele caixote? Não sei… ainda.

Entro em outra rua para encontrar o segundo personagem, aliás, o casal de personagens denominados “ pombinhos apaixonados”: eles devem ter mais de 75 anos e estão sempre na frente da sua casa simples, estreita, daquelas porta e janela. Ela sempre banhada e penteada, sentada em sua cadeira colocada, estrategicamente, pelo marido para que ela possa ter a visão de toda a rua; ele, enquanto ela aprecia tudo, varre a calçada, sempre. Acho aquela cena linda e todos os dias me encanto. Em um desses dias, ao cumprimentá-los, ela me disse: “ Já andei assim como você, apressadinha. ” Eu parei e lhe disse, rindo: “ E eu espero um dia estar assim como você, banhada, arrumada e sentada na calçada às 5h30min com meu marido cuidando de mim”. Rimos os três e continuei.  Se casamento feliz é quando o casal ama a sua rotina, ali estava um casal feliz.

Antes de dobrar a direita e entrar no próximo quarteirão, já começo a escutar a Ladainha de Nossa Senhora “Senhor, tende piedade de nós. Jesus Cristo, tende piedade de nós. Senhor, tende piedade de nós…” Vou me aproximando e o som vai aumentando. O som vem de um comércio que tem escrito, em sua faixada, pintada de vermelho a palavra FRIGORÍFICO, mas de frigorífico mesmo não tem nada. Nada mesmo. No ponto comercial vende-se de tudo menos carnes, assim refrigerantes, alimentos se misturam com cordas, baldes e bacias de plástico, sem falar em cigarros e até comida para animais. Quando passo, as portas estão sendo abertas, ou melhor, levantadas, e a mesinha desgastada de madeira e cadeiras de plástico brancas encardidas lá colocadas para receber os “fregueses” que pude perceber são os amigos do velho dono, “o cultivador de amizades”. Muitas vezes ele, o “cultivador de amizades” já está acompanhado por um “freguês” que ansioso pelo cafezinho e um dedo de prosa chega mais cedo. É, as velhas amizades persistem e o tempo não as corrói. A oração, unida a esta visão, soa muito bem em meus ouvidos assim cedinho.

Sigo para o quarteirão “ da maravilhosa tortura”, pois agora aquele cheirinho de pão vindo da padaria invade meu olfato e me faz apressar mais ainda a passada. Aquele aroma do pão acabado de fazer é a melhor fonte de boa disposição. E se for acompanhado com manteiga, melhor ainda! Se a isto juntarmos um bom café, então temos o momento perfeito. Esses aromas me lembram conforto, trazem-me familiaridade. E sentindo minha disposição despertada prossigo para o próximo aroma que, sei, irei sentir na terceira casa depois da padaria. Aquele cheiro fresquinho do café invade minhas narinas e mexe com ainda mais com minha imaginação, consigo até sentir o sabor   em minha boca, quentinho…hum...cheirinho de infância, de família, de união, de vida….

Sigo agora naquele passinho apressado, aquele que não é nem caminhada nem corrida, mas que nos faz suar e nos conforta dando-nos a sensação de perda de calorias…rsrsrs… Saio deste “balsâmico” quarteirão e aí meus olhos já começam a procurar o “castelinho”, já que foi assim que apelidei aquela casa estreitinha, pintada de verde com umbrais rosa, com janelas brancas e treliças amarelas. Na verdade a tinta já está desbotada pelo tempo, mas a beleza dela, para mim, está na história que imagino ela tenha: a escolha do colorido da fachada demonstra a personalidade forte, alegre e descontraída dos moradores. O castelinho, espremido entre duas grandes casas, modernas, arejadas, muros altos, resiste, apenas com sua porta e janela (imagino eu, que tenha mais uma porta ao final dela) resiste com seu pequeno tamanho e colorido nada convencional. Ela assim como seus moradores são sobreviventes.

 Já no caminho de volta, deparo-me com o “Eduardo e Mônica”, denominados assim por me fazerem lembrar da música do saudoso Renato Russo. Eles já passaram dos 70 e caminham juntos. Ambos de cabeça branquinha e corpo franzino. Ele de calção na altura do joelho; ela de legging e blusa comprida folgada com uma torção do lado. Ele com um cajado na mão; ela com uma bolinha de massagem. Ele se apoia no cajado ao andar; ela, com o andar mais apressado, sempre espera por ele quando se distancia mais de 3m. Aquele casal me faz acreditar que existe, sim, companheirismo, que os obstáculos, dificuldades existem, mas tudo é possível ser superado se temos foco, força e fé.

O céu, nesta época de maio, ainda se encontra, ora aberto, ora fechado em cinza; o sol, por vezes, começa a mostrar a cara; as múltiplas janelas e portas ainda observam esta caminhante no término de sua perambulação cotidiana, pois, quando percebo pela coisa, já se passaram os 40 minutos regulamentares de caminhada. Aí é voltar para casa, tomar um banho, um gostoso café com o marido e curtir o resto do dia, com os colegas na faculdade. Com fé e alegria!